23 janeiro 2017
Entrevista: Jorge Cruz no Duas de Letra
Jorge Cruz esteve no programa Duas de Letra da Antena 3, numa entrevista conduzida por Capicua, para falar sobre as suas letras, estilo de escrita e processo criativo. A conversa pode ser ouvida aqui e lida aqui:
Como é que descobriste a tua vocação para a escrita e como é que a percepção dessa vocação se cruza com a tua vocação para a música?
Fascinou-me primeiro a música, mais aquele objecto pop de criança, cresci nos anos 80 numa altura de videoclipes e etc. Mas depois quando me apercebi que para aprender um instrumento ia ter que aprender coisas assim um bocadinho mais chatas não me motivou muito, aprender música passou a ser um bicho-de-sete-cabeças. E fui conhecendo alguém que já tocava e tinha melodias, mas não as terminava, e eu senti muita facilidade em ocupar aquele papel. Na altura não me via como uma pessoa que soubesse propriamente escrever, mas vi que tinha facilidade nisso. E depois tive uma outra experiência em que percebi um feedback externo de que gostavam das coisas que estava a escrever. Quando tinha 16 anos, tinha um amigo que se considerava poeta, uma coisa gira no liceu, eu fiquei muito amigo dele porque ele tinha muito carisma e alta personalidade
Ainda é poeta hoje em dia?
Já não. Escreve, continua sempre a escrever, aprendi muitas coisas ao longo da vida com ele, mesmo em termos de literatura, mas ele tem uma profissão real. Lembro-me que na altura ele queria concorrer a um concurso a nível nacional. No júri estavam escritores a sério, nós éramos miúdos do liceu, eu não tinha noção do mundo lá fora. E lembro-me de quase por amizade concorrer com ele, escrevi uma coisa a tentar ser um poema e acabei por ter uma menção honrosa. Aquilo era dos 16 anos 20, eu tinha 16, era muito novinho e tive menção honrosa. Não houve nenhum prémio e houve três menções honrosas. E eu achei que se calhar as pessoas gostam do que eu escrevo. Não sei porquê, achei que aquilo era fácil e achei esquisito as pessoas gostarem (risos).
E depois como é que isso se cruzou com as canções?
A música e as canções eram a paixão que eu tinha mesmo forte. Pá, a música mudava muito o que sentia e como via o mundo. Tinha um poder que ia para além das coisas, das relações, era uma coisa muito especial. Não achei que tivesse talento para perseguir, mas a vontade não passou e comecei a dirigir-me para aí. Mas eu não tentava ser poético a escrever. Nos anos 90 já estávamos no tempo em que dizermos tudo o que sentimos e arranjarmos maneiras de expressar a dor interna era um bocado o caminho, por isso eram letras curtas com pequenas frases, não era assim uma coisa metódica.
Lembras-te da tua primeira letra?
A primeira não me lembro, lembro-me que com 15-16 anos escrevia também em inglês, aquele primeiro instinto de fazer parte do mundo dos sonhos. Tinha algumas músicas em português, mas não gostava tanto e escrevia mais em inglês. Não sei, era sobre amor e desamor e o liceu e a rapariga que não gosta de mim, era sobre essas coisas.
Qual é o teu método criativo?
Hoje em dia as coisas evoluíram de uma maneira drasticamente diferente até do que fazia há dez anos. Nos meus 30 e poucos ou nos meus 20 e poucos, se calhar estamos mesmo a falar de eras diferentes do que é agora. Hoje em dia o que faço é subdividir a minha personalidade em várias e consigo trabalhar com métodos bastante diferentes conforme a personalidade que está a trabalhar.
E isso porquê, é diferente quando escreves para ti do que quando escreves para outras pessoas, aplicas métodos diferentes e personalidades diferentes?
Sim, e o tipo de objectivo. À medida que fui ganhando mais conhecimento sobre o que faço, se calhar vou mais rapidamente às questões principais de cada desafio, identifico-as e depois uso um método que eu conheço que me vai aproximar do resultado que eu quero obter naquele caso. E mesmo em coisas para mim posso fazer isso. Por exemplo, no último disco de Diabo na Cruz, eu lembro-me de estar a comentar antes de começarmos a escrita, de eu começar nessa fase...
Vocês fazem primeiro a música e depois acrescentam a letra?
Não, não é bem. Diabo na Cruz tem um processo próprio. Há uma colecção de melodias, porque eu tenho sempre de procurar melodias que me tragam para a música tradicional de alguma maneira, inspiradas ou no folclore ou em algo mais rural ou mais denso. Vou à procura de melodias e beats, só. De andamentos e melodias. E faço um banco delas e começam a surgir canções que melodicamente e energeticamente começam a destacar-se. Depois há uma selecção. Para o último disco eu sentia que deveria ser muitos autores diferentes e então acabou por haver quatro tipos de autores, na minha percepção, e depois cada um trabalha com objectivos diferentes, está a querer dizer coisas diferentes. Um mais acerca do quotidiano, um mais do agora, um mais urbano, um outro acerca de um país que não existe e que eu quero imaginar, um mais pessoal, um mais irónico e provocador, o outro mais introspectivo. E são facetas que eu sinto, que eu reconheço em mim, mas que se calhar às vezes se prejudicam umas às outras e eu tenho aprendido a dar um quarto para cada uma. Agora vai lá tu trabalhar e tu não te metas com ele porque ele vai trabalhar! (risos)
Estavas a dizer quando estavam a compor o ultimo disco de Diabo na Cruz e estavam na fase de...
Eu gosto muito de estudar música e por analisar discos de que gostava apercebi-me que era fixe quando uma banda tinha mais do que um compositor porque dava uma vibração muito especial aos temas, saltava-se de um universo para o outro. E seduziu-me a ideia de ‘bora então assumir isto, eu acho que vou fazer isso e tentar estar muito concentrado a ser um gajo e depois mudar e ser outro e depois ver o best of disso e juntar.
E cada um deles, além de ter esse espírito e objectivos diferentes, com métodos diferentes?
Sim. Em tudo o que eu fizer, a ordem é primeiro a melodia e depois a letra. Em termos de método, pode variar o objectivo. É óbvio que uma canção de três minutos e meio muito animadora, com acordes maiores, e que tu sentes que é alegre e que o refrão é muito forte melodicamente, pode levar-me a fazer uma letra que eu queira que mais gente entenda e que seja acerca de mais pessoas. E que uma letra mais densa, uma melodia mais densa, um bocado fechada, que não é muito aberta às pessoas, e que se calhar algumas pessoas vão gostar, mas que eu assumo desde o início que é uma coisa só para mim ou que só diz uma pequena coisa do que é o mundo e que não está a tentar falar ao mundo inteiro, se calhar vou encriptar mais ou vou aproveitar para deitar fora uma data de coisas que eu não tenho oportunidade para fazer noutros objectos. Portanto vais no fundo usando a panela que achas certa para o cozinhado que achas que deve acontecer.
Quando te sentas para escrever já pensaste muito no tema que vais abordar ou preferes uma escrita mais intuitiva? Vais apontando notas, vais amadurecendo os temas na cabeça ou deixas a pena ir solta?
Faço tudo isso, embora adorasse escrever de uma forma só espontânea, às vezes tenho tanta vontade de fazê-lo, mas o know-how que a pessoa vai desenvolvendo já não o permite porque é importante pôr em causa, é importante estudar e, dependendo do objecto, há alturas em que eu chego a uma coisa antes de escrever. Acontece-me isso também em termos de processo. Às vezes faço a primeira escrita de uma letra numa canção que já está comigo há três ou quatro meses e faço-a como uma performance. Acordo de manhã, vou levar o miúdo à escola, tomo o pequeno-almoço, bebo um café, preparo um chá e sei que é aquele o dia, é como quem vai dar um concerto. Porque depois a energia tem que ser altamente espontânea, tem que ter algo que tu não controles, para que quem ouve também sinta algo de especial. Porque se for só cerebral não vai ser nada especial, vai ser só bem-comportada. Há uma expressão que eu gosto muito que é: há músicas que não têm nada de errado, mas também não têm nada de certo.
Têm mais técnica do que alma, espontaneidade, é isso?
Sim e porque, lá está, é a subdivisão. O lado pulsional selvagem diz coisas muito especiais e importantes que o nosso lado cerebral não diz. Mas o nosso lado cerebral, e que estuda, e que consegue pôr a palavra a rimar no sítio certo, também contribui com algo que esse lado selvagem, se estivesse sozinho...
Ao ganhares mais ferramentas, truques e recursos, achas que o lado cerebral vai ganhando força por relação a esse ímpeto quase ingénuo de quem cria de forma quase despreparada?
É um grande perigo, mas qualquer pessoa que sabe o que está a fazer percebe a importância destes lados todos, por isso tento encontrar um tempo de antena para cada um deles viver. Porque há uma coisa em que eu cada vez mais confio, eu sei o que é um objecto bom, forte. Pode até ser uma coisa que só dez pessoas gostem.
Mas tu confias no teu julgamento.
Confio.
E flui facilmente o processo ou chega a ser doloroso? Consegues, mesmo nas alturas em que te dá mais trabalho, fruir, ter prazer do processo, ou às vezes sentes que te dói?
Dói, às vezes. Às vezes sinto prazer, mas é mais raro do que doer.
A sério? E porque é que continuas, então? Que força é essa?
Dói por causa da ambição.
Ok, sentes que tens de puxar sempre mais por ti.
Sim. E às vezes uma pessoa senta-se para trabalhar num problema que não está a ver como se resolve e ficas ali duas horas. Epá, eu fico maluco quando ando duas horas só com duas frases ou uma estrofe. E um refrão é mais difícil ainda porque o refrão tem que ser simples e tem de dizer exactamente tudo o que é suposto dizer. Mas lá está, eu no refrão tento não me sentar para escrever. Eu sento-me para escrever as estrofes.
Ou seja, o refrão vais cozinhar, vais passear, vais...
Vou às compras e tal. É mais aí. Tens que o agarrar. Com a estrofe tu podes sentar-te a escrevê-la e achar que não se está a passar nada, andas ali para a frente e para trás, dás em maluco e tal, mas depois dou por mim a almoçar ou a jantar e: espera aí, sentei-me, tive este sofrimento todo mas valeu a pena, há pelo menos uma frase que amanhã, quando eu já estiver mais limpo, já vai mandar nisto tudo.
Acreditas que as letras mais fáceis são as que depois têm mais sucesso ou isso é indiferente e há músicas que dão trabalho e soam fáceis?
Penso que depende, e que as duas coisas são verdade, são objectos diferentes. Não há dúvida nenhuma que um objecto especial que nós não conseguimos explicar por que é que gostamos é um objecto espontâneo, não é um objecto mastigado. O objecto mastigado tem uma esperteza que é interessante. Nós vamos ouvir o Bruno Mars com o 24K Magic, aquilo tem uma esperteza, ele sabe perfeitamente o que está a fazer e isso é bom também. Nas coisas que já fiz, duas músicas que lançaram Diabo na Cruz, o Dona Ligeirinha e Os Loucos Estão Certos são duas músicas que eu não fazia a mínima ideia do que estava a fazer e saíram muito rápido. Fiz a primeira coisa que me veio e não fiquei a pensei no que estava a fazer. E as pessoas reagiram bem a ser giro. A Dona Ligeirinha é isso, pode tornar-se um bocadinho irritante uma coisa ser só gira. Os Loucos é giro, mas tem mais qualquer coisa. Algumas músicas agarram qualquer coisa que nós não sabemos bem explicar. Acho que era o Nick Cave, que é uma pessoa muito metódica no que faz, que eu li recentemente que inveja um pouco esses autores do espontâneo porque ele é uma pessoa que se levanta de manhã e vai escrever para a cave, despede-se da mulher e lá vai ele. E depois ele diz que só consegue escrever narrativamente, só consegue escrever uma letra que comece num ponto e acabe noutro. Ele falava das suas próprias frustrações que têm a ver com a sua natureza, mas a um autor conhecido a sua natureza pode ser se calhar o maior trunfo que ele tem. Portanto, ele ser muito bom naquilo que faz é mais importante do que tentar ser outra coisa. Já o Neil Young tem umas expressões que eu gosto imenso, uma delas é que existe a musa e o cavalo selvagem. O cavalo selvagem, particularmente, temos de ter o cuidado de não o assustar.
Claro. A musa temos de andar ali a seduzi-la permanentemente.
Mmm-hmm. Basicamente nós queremos que eles estejam sempre ali à vista, mas é preciso ter muito cuidado porque se fazes um esbracejar muito forte, ou se entras na lógica de “eu quero montar-te, cavalinho”, ele desaparece, como é evidente. Não te podes esforçar demasiado, não é?
E quando escreves gostas do processo mais solitário ou gostas de mostrar a alguém? Gostas de ouvir opiniões durante o processo de escrita ou gostas de o fechar?
Muita dificuldade em o mostrar a meio, acho que é perigoso, sinto-me fragilizado e tenho medo de estar a comprometer o objecto final. Mas há ali uma fase, em que podem faltar umas duvidazinhas, em que eu posso fazer umas perguntas. O que é que achas desta palavra aqui, o que é que te chamou a atenção? Posso mostrar a uma ou duas pessoas, ter um feedback e ver se me falam naquilo que me está a pôr dúvidas a mim.
E como é que explicas isso, que eu acho que é transversal a quase todas as pessoas que escrevem canções, que é essa coisa de não querer mostrar a ninguém até estar pronto, quase uma vergonha, como se se quebrasse o feitiço, por estares a expor a tua fragilidade?
Eu acho que é a beleza da coisa, porque é realmente frágil, porque é construído para que quando te largares vai-se embora e vai-te defender ou vai humilhar e pronto, tu estás a dar de ti. E é uma coisa que se constrói, portanto é normal que tu queiras mostrar no fim, não sei.
E riscas muito durante o processo e quando fechas a letra ela está fechada ou até ao último momento ainda podes ir lá mudar uma palavrinha?
Posso querer mudar, sim, até ao fim. Posso querer mudar e o disco já está editado (risos). Já mudei, por exemplo no Barra 90 fiz um álbum só de músicas que eu tinha escrito nos anos 90 e mudei uma data de palavras e de frases, aquelas com que não me sentia confortável, que achava que não tinham sobrevivido tão bem.
Ou seja, uma música nunca está fechada para ti? Fazendo um disco hoje, com letras escritas hoje, és pessoa para viver bem quando fechas a canção e conviver com a passagem do tempo?
Duas coisas: hoje em dia certifico-me de que preciso do meu tempo para ter as coisas prontas e quando estão prontas já fiz o meu trabalho. Estou bem com isso, isso é o principal. O segundo grande factor é não ouvir nada do que tu fazes. Não ouvir mais depois o teres feito.
E quando escreves para outra pessoa, como é que fazes a adaptação do teu registo para a voz e personalidade da outra pessoa e como achas que funcionam estes casamentos de haver vozes que resultam bem com a tua escrita e outras que precisam de um caminho maior?
Essa é uma questão interessante que eu penso um bocadinho nela porque está a acontecer-me nos últimos tempos. Eu tenho escrito, entrego e depois eles fazem o que querem daquilo e depois eu ouço quando está a dar na rádio, ou quando está terminado e o manager me contacta para eu ouvir.
E vives bem quando ouves a música com as diferenças entre a tua expectativa e o resultado final?
É diferente, porque isto é giro escrever para outras pessoas, é giro porque não sou eu a dar a cara e se está a funcionar para as pessoas e elas gostam é o mais importante. Eu tenho tido a sorte de ter pessoas que gostam muito das músicas e de estarem entusiasmadas com as músicas que eu fiz. Mas eu sofro muito mais num concerto a tocar a Dona Ligeirinha do que a ouvir o Dia de Folga da Ana Moura a tocar nos Globos de Ouro.
Mas isso é porque de certa forma quando entregas a canção ela já não é tua?
Sim, porque é delas. É tipo alfaiate, eu fiz qualquer coisa para a pessoa vestir, se ela se sente bem é o mais importante.
E o que é que muda no processo de escrita quando estás a fazer uma peça por medida, o que é que te preocupa em termos de escrita para que as medidas estejam certas?
As preocupações podem ser mais ou menos as mesmas que um dos meus eus tem com um certo tipo de música que eu faço para mim, há outras que não tem nada a ver. Mas se calhar eu a fazer um Ganhar o Dia ou um Vida de Estrada, músicas mais importantes de Diabo na Cruz mais recentes, a personalidade não é muito diferente da que fez o Dia de Folga. Têm sido essas músicas que têm sido gravadas porque as pessoas gostam mais dessas músicas, eu tenho feito muitas vezes outras músicas também para eles escolherem e as pessoas parece que gostam muito da minha maneira de fazer esse tipo de músicas e não estão se calhar à procura de uma coisa tão melancólica minha. Pelo menos, para já não tem acontecido isso.
Ou seja, quando te convidam para fazer uma letra é porque vão à procura do estilo...
Não me dizem isso à partida, mas eu tenho entregue sempre mais que uma música e acabam por escolher aquele género. Não é porque eu só sei fazer aquele género. Eu faço outros tipos de músicas.
Para Amor Electro os teus temas são mais emocionais...
Sim, porque aí a música já não sou eu que faço. A música já é muito dramática e puxa-me para fazer uma coisa mais forte.
Ou seja, aí tu recebes a música e fazes a letra.
É, vem tudo tanananana para eu meter a letra, o que também é muito giro, gosto imenso de fazer. Agora há uma coisa que isto tem tudo em comum: eu tenho escrito para mulheres. E isso é logo uma diferença tão grande em relação ao que eu escrevo para mim que muda tudo e me põe logo numa perspectiva que é uma excelente oportunidade. Começou com a Marisa Liz dos Amor Electro e depois tem-se prolongado com outras mulheres, que é escrever alguma coisa que a mulher possa cantar. Sou um grande fã de homens que o fizeram, o Chico Buarque é dos primeiros que a gente se lembra que fez isso muito bem. E para mim é um óptimo desafio e faz-me logo pensar de maneira diferente.
Já te aconteceu não ficar confortável com o resultado?
Sim, acontece-me por exemplo quando me apercebo que meto muitos Rs ou que faço coloquialismos que comigo funcionam ou que faço letras muito rápidas de se ler, que é uma coisa que eu faço para mim próprio e que depois numa voz de uma mulher que canta tão bem, as melhores cantoras de Portugal, que têm vozes que funcionam com vogais, se calhar têm que andar ali a fazer fitness para cantar aquilo.
E qual é que é a tua melhor letra, sabes identificá-la?
Não, acho que isso caberá a quem quiser analisá-la.
E a pior?
Das editadas? Destas mais recentes, vou falar de uma que é para fãs de Diabo na Cruz. Há uma música que muitos fãs de Diabo na Cruz adoram e que nós nunca tocamos ao vivo e que estão sempre a pedir para tocar. Alguns fazem questão de levar o cartaz só por causa dessa música, que é o Pioneiros. E é uma música que nós basicamente não cantamos por causa da letra, eu já expliquei à maioria das pessoas que vem falar connosco. Nós tentámos fazer um álbum sobre Portugal e passámos por muitas fases. Eu mandei o álbum abaixo, faltavam poucas semanas para entrar em estúdio, e tive que compor a correr uma data de músicas. E a tarefa era demasiado heróica, ou nós pusemo-la num lugar heróico, e depois para mim perdeu a universalidade. Aquela música em particular sobreviveu, porque eu consegui mandar fora uma série delas importantes que também estavam a cometer esse erro. Aquela tem coisas interessantes e seguiu, mas tem lá uma ou outra coisa cringeworthy.
E vives bem com isso?
Vivo tão bem que nunca a toco ao vivo. (risos)
Mas, se pudesses, apagava-la do disco?
Não, nem pensar. Estou ansioso pelo dia em que a vou tocar ao vivo porque há uma fidelidade de uma série de fãs que estão à espera desse dia.
Já te arrependeste de dizer alguma coisa numa letra em termos de conteúdo? Foges de referências circunstanciais ou de temas que te parecem mais polémicos ou mais incómodos, ou tudo é permitido?
O meu percurso influencia muito a minha resposta a essa pergunta. Tive um grupo que era Superego, que foi a primeira vez que fiz coisas públicas e teve alguma repercussão, e a minha ingenuidade da altura não me fez ter qualquer tipo de filtro sobre a maneira como eu me apresentava ou escrevia ou dizia ou fazia. Aquilo em que eu acreditava era aquilo que eu apresentava. No segundo disco de Superego eu decidi fazer uma coisa muito engajada, que parecia uma coisa muito engajada politicamente mas não era, era em prol da cultura portuguesa de certa forma. Fiz um manifesto e escrevi muitas letras que eram acerca de como eu via o mundo. Acho que se estava a celebrar os 25 anos do 25 de Abril, na mudança do século, em 2000, e eu tinha visto muitos documentários sobre o 25 de Abril e aquilo tinha-me feito pensar e então fiz uma música chamada Otelo sobre a revolução e sobre os outros personagens. E depois fiz uma em que se falava sobre cantar em português e os instrumentos portugueses. Aquilo teve um enorme, usando a palavra em inglês – porque eu não canto em inglês, mas se pudesse dava entrevistas todas em inglês, fazia o contrário de alguns cantores portugueses, porque há palavras que são fixes de se dizer – teve um backlash muito grande a minha atitude, teve uma reacção muito agressiva por parte de alguns meios.
Por que é que achas que isso aconteceu?
Bom, isso seria outros 500, não quero especular. Isto para dizer que foi interpretado por uma coisa que não era. Houve um lado que foi bem interpretado, mas basicamente sinto que na altura o meio musical disse: Nós não queremos que isto exista. Não vens para aqui dizer essas coisas que tu vens para aqui dizer.
Mas porquê, acharam que estavas a ser moralista?
Muito moralista e isso eu estava a ser.
Eu acho que aconteceu a mesma polémica quando o Sam The Kid escreveu o Poetas de Karoke.
Sim, mas isto é dez anos antes. O Sam The Kid fez isso e eu adorei quando a música saiu. Mas eu, que vivia numa praia em Aveiro, não fazia ideia de como era o mundo cá fora, quem eram as pessoas que escreviam nos jornais. Já andava a dar entrevistas, já aparecia no jornal Blitz, já havia alguma atenção, já vendia aqueles 500-800 discos, mas vivia num mundo todo muito imaginado, era lá da província.
(risos) Até parece que Aveiro...
Eu estou a dizer com a maior ironia mas também com alguma compreensão. A forma como eu pus as coisas não tinha qualquer tipo de cinismo, não tinha qualquer tipo de sedução, foi bruta e sem ganho. Eu não queria ganhar nada com aquilo. E levei muito com aquilo para baixo, deixei de poder dar concertos, deixei de ter uma estrutura que funcionasse, saí um bocado do panorama e isso foi óptimo para mim. Foi péssimo para mim durante muitos anos, mas foi óptimo noutros aspectos. Fez-me perceber uma série de coisas e antes de mais fez-me chegar ao ponto em que eu soubesse que um dia ia fazer a música que dizia aquilo que eu tinha dito por palavras. E pronto, é por isso que estou aqui.
Mas isso quer dizer que hoje em dia, mais do que falar sobre determinados conteúdos, o statement é mais estético, é isso?
Não necessariamente. A arte acima de tudo.
A arte é um posicionamento também, não é?
Sim, para mim aquilo que eu tenho que fazer é arte, aquilo que eu tenho que fazer é um objecto artístico. Não estou interessado em fazer discussão política, não estou interessado em sair da minha área porque na verdade o que eu amo e o que eu sei fazer é isto. Eu tenho opiniões, eu sou do Sporting…
Mas não falas desses temas.
Posso falar aqui, se quiser, mas não me apaixona.
Ok, e do ponto de vista biográfico, há coisas que evitas expor ou camuflas?
Para tornar ainda mais claro o que eu estou a dizer: eu só aceito aquilo que é interessante para mim. E eu acho desinteressante, quer em mim, quer noutro autor, coisas que noutra altura não triava. Não acho muito interessante estar a ler uma canção tópica neste momento, sobre um tópico muito específico.
E mesmo que não seja sobre causas ou questões sociais, mesmo sobre a vida quotidiana, a tua própria vida, as tuas emoções, também pode haver nesse âmbito alguns temas que tu evites. Ou camufles alguns temas para não te expores demasiado ou as pessoas que te são próximas. Se há territórios que tu evites.
Eu acho que é de evitar. Pronto, eu estou a falar sobre mim e percebo que para outras pessoas seja diferente e isso é super válido, aliás, a música americana em particular está numa fase altamente... porque eles estão a falar muito sobre raça, sobre feminismo, sobre os direitos civis e penso que a tua música também é bastante assim. Mas é-o de uma forma que nunca deixa de ser artística e musical e isso é excelente. E eu se calhar não tenho muito jeito para fazer isso, se calhar é um bocado por aí.
É sempre difícil a linha entre posicionamento e moralismo.
Claro, eu se calhar por dentro sou demasiado moralista para estar à vontade nisso. Eu estou mais à vontade a fazer outro tipo de coisas e são muito mais a minha vocação. O objecto que acabo por estar preparado para abandonar, se tiver algo sobre a minha vida pessoal ou sobre algo que se está a passar na sociedade que sinta que se prende só ao que eu considero naquele momento mas que daqui a 5 anos posso não estar confortável porque não é uma coisa para todos os tempos, não é uma coisa à prova de bala, eu censuro. Seja sobre o que for.
Ou seja, estás à procura também de uma intemporalidade...
Sim.
Mas isso às vezes é difícil. Há palavras, há referências que são demasiado circunstanciais. Ainda para mais hoje em dia, que o mundo muda tão rapidamente. Se puseres a palavra email, daqui a 10 anos se calhar passa a ser obsoleta.
Claro. São objectivos diferentes. Ou seja, tu podes ter o objectivo precisamente de fazer isso, eu tentei fazer isso com o Vida de Estrada, que fala da troika, da bolha imobiliária, do trânsito no Jamor, do concurso de televisão... São coisas do agora. Só que há coisas do agora que também se tornam... Sei lá, Video Killed The Radio Star. Se tiver algumas características, não quer dizer que fique perdido no tempo ou que mais ninguém queira ouvir.
Por falar em tempo, olhando para trás, o que é que achas que mudou mais na tua escrita?
Eu fiz recentemente uma análise do que estava para trás, que eu não ouvia há muito tempo, para organizar, porque sinto que às vezes a gente desleixa o que já fez e não sabe onde é que está e as coisas desaparecem. E então ouvi muitas coisas antigas de há 20 anos, 15 anos, por aí fora E está-me a acontecer uma coisa muito curiosa. Eu sempre fui muito inseguro acerca de uma série de coisas do meu trabalho, e aquilo sobre o qual eu era inseguro hoje em dia é aquilo que eu gosto nas coisas antigas que oiço. É o lado humano daquilo, estou muito mais interessado na voz frágil e desafinada da música x do que propriamente na voz esforçada para estar afinada na música y. Porque aquela mais frágil diz-me qualquer coisa sobre aquele miúdo. Apesar de ser a mesma pessoa, estive a viver em momentos totalmente diferentes em sítios diferentes e a querer coisas diferentes, e aquilo que fiz foi sempre honesto ao seu momento e portanto é muito diferente o que eu faço agora do que fiz há 10 ou 15 anos. E espero que daqui a 10 anos também seja assim. Diferente do que eu faço agora.
Como é que caracterizas o teu estilo de escrita?
Não sei...
Já disseste que escreves muitas palavras, às vezes demasiadamente rápidas...
Mas nem sempre. Depende do objecto. Eu vejo-me como muitas mais coisas do que se calhar neste momento as pessoas que conhecem a minha música vêem. Vejo mais ou às vezes estou a iludir-me a mim próprio. Não me vejo cristalizado de maneira nenhuma.
Qual foi a tua letra que teve mais sucesso? Sendo o sucesso uma palavra subjectiva, claro.
Até agora foi a Dia de Folga, música cantada pela Ana Moura.
Premiadíssima!
Não só já foi ouvida pelo Mick Jagger, como já foi ouvida pelo José Mourinho, que é muito mais importante para mim, embora eu adore os Rolling Stones. E já foi cantada no Olympia, no Carnegie Hall, na Austrália... É incrível. Uma pessoa faz uma canção para a Ana Moura e vai a todo o lado. Pá, é incrível. Foi uma honra brutal, foi uma cena espectacular que aconteceu.
O que é que achas que a canção tem?
Para além da voz e da beleza da Ana Moura, que faz as pessoas ficarem fixadas nela… E da produção, que me surpreendeu, eu não sabia que iam fazer uma coisa assim tão puxada a Diabo na Cruz e ao lado mais tradicional – eu sei que o produtor foi ouvir Diabo na Cruz e perceber de onde é que aquilo estava a vir. Porque eles fazem com americanos e fazem na América, por isso é giro eles terem tentado encontrar ali qualquer coisa mais quase folclore. Mas o principal que eu acho que funcionou é ser uma música sobre o sofrimento do dia-a-dia que está mascarada de leveza e superação. E qualquer pessoa precisa disso na sua vida. Precisa de superar o que lhe está a acontecer. Aquele dia-a-dia de que as pessoas já estão um bocado fartas, de ligar a televisão e de ver os mesmos dramas, as mesmas coisas, eu nos últimos anos tenho sentido muito a vontade, e necessidade também, de fazer músicas sobre esse escape. E sobre um mundo paralelo em que poderíamos estar mais leves.
Para quem é que gostavas de escrever? Podem ser pessoas inalcançáveis ou que já não estão entre nós.
Sou uma pessoa de sonhos, mas não de sonhos inalcançáveis. Gosto de ter sonhos alcançáveis. Fico muito feliz pelo que aconteceu ao fado desde que a Amália faleceu, ela libertou os cantores para poderem ser eles próprios e o género musical passou a ser de toda a gente e a ser usufruído e é excelente haver tantos cantores. E para nós que escrevemos canções, e que já fizemos para fadistas. Sei que já fizeste para a Gisela João, gostava muito de fazer para ela, é uma cantora espectacular. Mas para falar de alguém que eu já tenho no coração há mais tempo, e que seria um sonho tornado realidade, seria para o Camané.
Tu és daquelas pessoas que quando está a ouvir rádio, no carro ou em casa, decoras as letras todas e costumas reparar primeiro na letra e só depois na música?
Sou muito atento a tudo e qualquer coisa me pode chamar a atenção. E oiço muito tipo de música diferente e em músicas diferentes vou buscar coisas diferentes. Se houver alguma coisa para eu me agarrar em termos de letra, é muito provável que eu vá absorver e tentar perceber o que estão a dizer. Se não houver letra, vai sempre faltar-me qualquer coisa. O álbum anterior do The Weeknd achei super forte, em termos de produção e de melodia, e ouvi esse álbum muito, mas tinha sempre o problema, tal como me aconteceu com o Yeezus do Kanye West, com as letras. É tipo: não me está a apetecer ouvir isto que estás para aí a dizer. Mas, no caso do The Weeknd, a música é de tal maneira poderosa que dás-lhe quase essa liberdade. Com o Kanye West eu faço-lhe isso no My Beautiful Dark Twisted Fantasy, mas depois daí para a frente já não tenho paciência.
Achas que se escrevem boas letras, achas que estamos a viver um bom momento e que a língua portuguesa é uma boa matéria-prima?
Claro que sim, e há pessoal recente, não vou dizer quem, nem está à minha frente (risos). Há pessoal recente, para além de ti, eu diria até que seria impossível as coisas que me aconteceram recentemente em termos de trabalho e de música sem um grupo de pessoas que se juntou aqui em Lisboa quando eu vim para aqui viver e que escreve tão bem. Não é num sentido bem comportado da coisa, mas que teve sempre tanto para dizer, teve sempre tanta piada que me obrigou a ter mais sentido de humor naquilo que escrevo, que me obrigou a ser menos emproado, que me obrigou a achar-me menos importante. Porque quando nos achamos muito importantes achamos que aquilo que escrevemos é uma maravilha, ou porque dizes exactamente o que estás a sentir e se é assim tão importante para o mundo, só que o mundo está-se borrifando, tens de fazer alguma coisa que o mundo sinta ou que ache pelo menos piada. O Tiago Guillul, o Samuel Úria, o B Fachada e outros com quem convivi, escrevi, vi, cantei e que acho que são pessoas super inspiradoras. E o hip-hop esteve sempre bem. Quando a coisa estava parada, tínhamos o hip-hop.
É verdade. Nos anos 90 não era cool cantar em português e os rappers estavam lá. E quando estás a ouvir música, quais são aquelas coisas que te irritam, que te fazem comichão?
Muitas. Se estiver a ouvir uma música, é normal que o meu olho mais clínico funcione logo. Se for alguém a escrever em português eu vou estar especialmente atento porque é o meu trabalho. Eu reparo em tudo, por isso é um bocado difícil. Mas não sou uma pessoa muito picuinhas, mesquinho. Para mim, se funcionar, chega. Para mim não há uma regra, não há uma razão. Eu posso gostar bastante de uma letra dos D.A.M.A. Aliás, gosto.
E no conteúdo da letra?
Vou dar-te o exemplo dessa música dos D.A.M.A., o Às Vezes. Quando eu ouvi essa música pela primeira vez na rádio não era um sucesso ainda, e eu disse: esta música vai ser um sucesso. Segundo percebo, é um tema sobre a sexualidade na idade da universidade, nós estamos juntos, mas não sei se isto se vai manter, se tu dizes que eu só estou contigo às vezes. Mas aquilo funciona, aquilo diz exactamente o que tem que dizer, não falha em nada em termos de estrutura, de timing, eu percebo tudo, está tudo fluído e isso é difícil de fazer. E por isso posso até gostar mais disso do que de uma letra erudita de um gajo que eu admiro há 200 anos.
E quais são os teus letristas favoritos? Já trouxeste aqui alguns... O Leonard Cohen, o Bob Dylan, o Sérgio Godinho, o Jorge Palma..
Sim. Os monstros para mim são esses, é o Tom Waits, os brasileiros, eu gosto de muita gente, do Elvis Costello, adoro a Suzanne Vega, ela foi das coisas que eu mais ouvi numa certa idade e até hoje adoro a cena dela.
E quais são aquelas músicas que quase te dói não teres sido tu a escrever e perguntas por que não fui eu a escrever isto?
Ou que será que não consigo escrever…
Mas isso é no domínio da utopia, às vezes. Eu tenho a “Construção” do Chico Buarque ou o “Senhor Extraterrestre” do Carlos Paião para a Amália...
Essa música é muito boa, ouvi há dias a Gisela João a cantar. É muito, muito boa. O Carlos Paião tinha um talento que vê-se logo, assim como o Variações. O Variações, de uma forma muito simples, com poucas frases, dizia exactamente o que era preciso para perceber o sentimento, a história e acreditar. Às vezes o escritor pode ser muito bom, mas eu não acredito no que ele está a dizer. Isso é a coisa que mais me vai chatear. Ser verosímil. Eu tenho que acreditar. Eu acredito nos D.A.M.A. quando ele está a contar a história do “Às Vezes”. Se calhar ele amanhã conta uma em que eu não acredito.
Não te consegues lembrar de nenhuma canção que gostavas de ter escrito?
Não sou uma pessoa muito invejosa. Eu gosto de me esforçar para tentar fazer. Agora vou tentar dizer-te qualquer coisa, que eu gostava de um dia fazer algo tão inexplicável e mágico como o Redondo Vocábulo do Zeca Afonso. Qualquer coisa que eu não saiba o que quer dizer, ninguém saiba, mas tem magia por todos os lados. É um bocado como o Nick Cave, eu não sou tão bom a fazer isso e tenho inveja de quem o faça sem pensar. Porque eu na verdade tenho é inveja dos músicos, porque eu não me vejo dessa maneira verdadeira. O talento puro é que é a coisa mais incrível na música, uma Amália ou um John Coltrane. O gajo que não precisa de ter o cavalo selvagem por perto porque ele é o cavalo selvagem. Eu não sou esse gajo, eu tenho que andar a ver se o cavalo selvagem anda ali perto.
Mas às vezes essas canções que parecem fáceis exigiram muito trabalho por detrás e se calhar essa simplicidade aparente é o mais difícil de atingir.
Sem dúvida. Mas há um sentimento de liberdade e auto-confiança que certas pessoas têm, se calhar numa idade muito ingénua, quando fazem isso com 20 e poucos anos. Eu não era assim, eu era muito auto-consciente. E sou. Se puseres uma câmara aqui, eu começo a ficar diferente. Eu não me sinto confortável nesse papel, mas sinto-me confortável a sonhar e a burilar e tenho o meu trabalho a fazer.
Suponho que tenhas ficado muito feliz com a notícia do Nobel do Bob Dylan.
Fiquei muito, muito feliz. Senti como se fosse para mim.
Achas que isso acaba por dar algum tipo de legitimidade aos escritores de canções?
Para mim foi só isso, foi um reconhecimento por pessoas que analisam a escrita de todos os tempos e há montes de tempos. Há muitos romancistas do presente, e alguns até já ganharam o Prémio Nobel, que se calhar acordaram para a escrita com uma música do Bob Dylan, que lhes fez sentir que as palavras são uma coisa mágica. Aquilo que ele fez é super importante porque é um artista que passa por fases tão diferentes e tem tanto a dizer de uma maneira tão especial e tão difícil de agarrar, é quase como um Picasso, não se sabe muito bem o que aconteceu ali para se ter transformado. Agora é assim, agora é assado. E sendo ele quem representa a canção na sua era moderna, isto é o reconhecimento de algo que muda a vida das pessoas, que faz parte da vida das pessoas, que tem não só trabalho mas magia e arte.
E se calhar é o braço da literatura que mais chega às pessoas.
E mais: discutivelmente podemos dizer que é o braço original da literatura. Assim como havia as peças de teatro dos gregos, as coisas eram todas feitas para serem cantadas.
Sim, a tradição oral passava precisamente porque havia rima, havia lengalenga, a cantilena que ajudava a decorar as histórias dos antigos.
Claro, é algo que faz parte da vida dos seres humanos e que não vai deixar de fazer.
Há frases ou versos que para ti sejam uma quase auto-definição? Uma frase que pudesses tatuar ou que pudesse estar gravada na tua lápide e que tu aches que te resume?
Não consigo ter esse tipo de…
E dos teus versos, há algum que seja mais autobiográfico ao ponto de te resumir bem?
Não muitos, mas não sei, é uma pergunta muito difícil. Bem, vou remeter a uma pessoa de que ainda não falei aqui que é o Bob Dylan (risos). Há uma entrevista em que lhe perguntam: quando é que te começam a tratar como génio? E ele diz: I'm just a song and dance man, eu canto música para ser dançada, eu faço uma coisa mais simples ainda do que vocês estão aí a dizer. Se tivesse que escolher uma frase, podia ser qualquer coisa assim. Mas para pegar em qualquer coisa que eu tenha escrito, não sei porquê vem-me logo à cabeça o Ganhar o Dia: “Queres saber como eu sou, como é esta geração? / Quem não quer que o diabo fale, não lhe dê ocasião / Eu trago pele de cordeiro e memória de elefante / O meu trunfo é o triunfo / O motivo, ai o motivo é gigante/ Andei nas passas do Algarve / Mas fui salvo como que por magia / A minha vez chegou, o céu desanuviou / Hoje os astros alinharam / E eu estou pronto para ganhar o dia.”
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2 comentários:
esta é para imprimir e ler com calma! :)
O Jorge Cruz é o Fernando Pessoa dos nossos tempos...
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