Jorge Cruz foi o convidado da emissão desta semana do programa Duas de Letra de Capicua na Antena 3. Para além de ter falado sobre a arte e o ofício de escrever canções, seleccionou esta lista de músicas para entrecortar a entrevista.
Leonard Cohen - Tower of Song
Faleceu há pouco tempo, foi mais um dia triste para as pessoas da música. Este trabalho dele é eterno e escolhi esta canção porque fala do ofício e é sobre uma pessoa que era um poeta e era uma grande esperança da poesia que, de repente, julgo que por causa de Bob Dylan e outros, e também financeiramente se calhar, decide virar-se para as músicas e para as canções e torna-se um grande poeta da canção. Esta canção fala do Hank Williams, a música country hoje em dia é uma grande influência para mim. Acerca do Leonard Cohen: a elegância, o sentimento do ofício, a frase com que ele escreve e a auto-ironia, acho que esta canção resume isso tudo.
Sérgio Godinho - Labirinto
O Sérgio Godinho durante muito tempo não cantava o Liberdade, lá está, é uma letra que está muito marcada com o 25 de Abril e aquela época, e eu imagino que ele tenha deixado de estar confortável com ela. E entretanto voltou a tocá-la bastante. Foi se calhar através do trabalho dele que houve um bichinho que me disse que é possível fazer isto, brincar desta maneira, dominar de tal maneira o que se está a fazer que o som e o que se está a dizer podem andar, em língua portuguesa, a fazer coisas tão giras como ele faz. E escolhi uma música que para mim representa muito bem isso, que é uma canção que quando tinha 20 e poucos anos ouvia isto e tinha tudo a ver com o que uma pessoa está a sentir por dentro, a confusão da vida, mas ao mesmo tempo com uma capacidade de brincar com as palavras, de sentir como elas soam.
Jorge Palma - Ao Meu Encontro na Estrada
Uma música que mudou bastante a minha noção de outra coisa que acabou por mudar a minha escrita. E se as canções tivessem em português uma maneira de falar que fosse exactamente como nós falamos relaxadamente uns com os outros quando vamos ao café ou quando estamos a falar com um amigo? Eu adoro a letra e parece que não foi feita com qualquer tipo de esforço. Ele está a dizer aquelas coisas do amor, da saudade, do perdi-te, do não vens comigo, mas não está a esforçar-se para ser poético, está só como uma conversa e para mim bate bem mais forte. Quando comecei a ouvir o Jorge Palma, de uma forma voraz mudei a minha escrita. O Palma, e em particular um álbum do Bob Dylan que é o Time Out My Mind, que mudou completamente a minha vida e que se pudesse escolher só um disco no mundo escolheria esse. Pá, todos nós temos os nossos desgostos amorosos, se calhar é um bocado por isso, é um disco sobre estar sozinho e sobre alguém, ou se calhar são muitos alguéns, que amou e já não se ama ou já não está por alguma razão e os erros que se cometeu e etc. Só que diz isso de uma forma, eu diria que é muito masculina, e o Jorge Palma também acho que é.
Bob Dylan - Clothes Line Saga
O Dylan é o principal, é o escritor de canções que eu mais admiro, acho que muita gente sente a mesma coisa, eu diria que o Leonard Cohen não faria música se não houvesse Bob Dyan, o Bruce Springsteen não faria a música que faz e outros também. Portanto, é um pai da maneira de fazer canções para um certo tipo de pessoas e comigo acontece o mesmo. Eu, um estudioso e apetitoso ouvinte da música dele, escolhi uma música que é completamente leftfield, que não é central na obra dele. Ele começa por escrever hinos com 20 anos que ainda hoje são famosos (Blowin' In The Wind, The Times They Are a-Changin') e depois faz uma evolução tão rápida para um lado surrealista e altamente poético influenciado pelos beatniks, aquela onda do Like a Rolling Stone e outras músicas. E depois supostamente tem um acidente fictício de mota, retirou-se para o campo, foi viver com a família dele e fez um álbum que durante muito tempo foi só pirateado, mas que veio a ser editado com a banda dele de apoio que era os The Band. E acho que o reportório desse álbum, The Basement Tapes, abre um mundo novo peculiar que foi muito explorado já na música americana mas que eu vejo ainda um grande potencial para a inspiração dele. Adoro esta letra em particular porque, pelo que eu percebo, é um rapaz que pegou nas roupas da família para pôr a secar, no dia seguinte passou um vizinho que disse umas coisas e perguntou se é ele que costuma tratar da roupa. Ele foi para dentro, leva a roupa e acaba a música. É uma pintura, é um Van Gogh, é pastoral, leva-nos logo para a ruralidade mais simples. Ali no meio ele consegue mandar uma boca à sociedade, mas a canção é acerca das coisas mais pequenas e de como a magia pode estar em qualquer lado.
Pusha T - Numbers On The Board
Decidi trazer duas sugestões que têm mais a ver com a música contemporânea que me podem influenciar mais no dia-a-dia de trabalho. O hip-hop, sem dúvida nenhuma, porque a quantidade de jogos de palavras numa música dessa área é de tal maneira rica que uma pessoa tem muito por onde pegar e se sentir inspirada. Eu escolhi trazer alguém um bocadinho de fora, que é o Pusha T, porque gosto dele. Acho que não era suposto tornar-se um artista a solo, mas gosto da certeza, da racionalidade com que ele faz os versos. Não tem tanto a ver com a personalidade vender algo bigger than life, tem mais a ver com ser um óptimo escritor, e a própria produção é suficientemente despida, gosto da dignidade com que ele faz a coisa — apesar de às vezes estar a falar de vender drogas e coisas assim.
Sturgill Simpson - You Can Have The Crown
Um estilo musical que eu ouço muito hoje em dia associado a trabalho é a música country. Eu sou uma pessoa bastante influenciada pela música americana em geral. Já vem da literatura, Hemingway, Henry Miller, Jack Kerouac, Bukowski, por aí fora. Esta letra é espectacular, basicamente é sobre tentar escrever uma canção que lhe pague as canções. Ele diz que passa a vida na internet mas vê coisas que não consegue comprar, à procura de uma pista para qualquer coisa que lhe salve, mas só consegue ver guitarras e coisas que não tem dinheiro para comprar. E depois diz: Lord, se me estiveres a ouvir, atira um osso a este cãozinho, porque se o Diabo chega aqui com um negócio melhor, já estou comprado. Ele está a tornar-se a voz principal do novo country e tem também um lado sonoro muito interessante.
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