25 abril 2016
Jorge Cruz: Música e Política na Antena 3
Num programa especial do 25 de Abril, Isilda Sanches convidou Jorge Cruz, Pedro Adão e Silva e Pedro Ayres Magalhães para uma conversa sobre música e política, onde cada convidado escolheu canções relacionadas com o tema. Podem ouvir aqui o debate e ler alguns excertos das intervenções de Jorge Cruz:
A música, a política e a liberdade
«Eu pude fazer um arco em relação ao que achava sobre o assunto na minha própria vida. É evidente que com 20 anos tinha uma relação com estas coisas um bocado Sartriana de carregar o peso da humanidade aos ombros e tudo o que eu fizesse era política, todas as minhas acções eram uma responsabilidade que eu tinha perante a humanidade. Eu meti isso na minha cabeça. Li franceses. Depois li americanos, ajudou-me. (risos) Eu acho que a liberdade da visão artística é fundamental, as obras que foram feitas com um sentido meramente político tenderam a sofrer muito mais com a erosão do tempo. Embora haja autores muito politizados, as grandes obras são sempre obras de artistas, e um artista deve procurar a liberdade da sua mente. E portanto é essa a liberdade que nós podemos admirar, mais do que ele prender-se a si próprio em ideologias.»
A relação com as editoras, o sistema de poder, a indústria
«Surgi numa altura em que o faça-você-mesmo em Portugal começou a tornar-se possível. Lancei muitas coisas eu próprio inicialmente. Cheguei a ter umas relações com editoras mas em que eu ainda não tinha confiança em mim próprio para poder impor a minha visão. (...) Um gajo como eu, como é que vai chegar a uma editora e: "Olhe, sou muito bonito, tenho uma excelente voz". São factores que fazem algumas pessoas serem contratadas, principalmente a voz. A voz é muito importante na música. Eu não tenho uma grande voz, mas tenho uma outra voz, uma voz interior. E, enquanto não a encontrei, não foi possível transmiti-la. Hoje em dia estou bastante confortável com ela. (...) Na minha relação com a indústria, principalmente há uns tempos atrás, era-me sugerido coisas como "tu és como o Pedro Ayres Magalhães, tu deverias escrever para outras pessoas cantarem, não sabes cantar". Nós não nos devemos adaptar à indústria. (...) Tem tudo a ver com o punk. Nós podemos abrir os portões para dizer o que temos a dizer.»
1ª escolha: Bob Dylan - Maggie's Farm
«Maggie's Farm é o momento em que o Dylan diz que não ao lugar onde o estavam a querer pôr, como voz de uma geração. E vai a Newport em 1965, faz um concerto famoso eléctrico em que deixa de ser visto como o cantor da folk e de protesto, como o homem do "Blowin' in the Wind" e "The Times They Are a-Changin'". E inscreve-se numa linha transcendentalista do Emerson, do Walt Whitman, dos beatniks, a paixão dele pela América é mais individualista. Criou uma nova maneira de fazer canções que depois vai influenciar tudo o que vem a seguir. Basicamente aquilo é um arrombar de portas que depois os brasileiros fazem com o Tropicalismo. E há outros exemplos.»
Zeca Afonso, muito mais que um cantor de intervenção
«Eu costumo dizer que o Zeca Afonso é o nosso Bob Dylan. De certo modo é, mas se calhar não totalmente nisto. Continuou sempre numa gaveta (mas o Dylan para algumas pessoas ainda continua), continua a ser visto como um cantor de intervenção e eu acho que é muito mais do que isso. Há grandes canções, o Redondo Vocábulo, quantas canções incríveis do Zeca como artista, puro artista, não têm nada a ver com política. Esse arrombar de portas não terá acontecido em Portugal e as coisas são feitas mais lentamente. Por isso é que passados uns 30 anos Diabo na Cruz ainda vive certos preconceitos, no lado oposto da barricada, como banda de esquerda que tem alguns vermelhos e amarelos, que tem o nome Diabo. Na Cruz. É um tipo de preconceito que tem a ver com pouca exposição à variedade, é só por ser diferente.»
2ª escolha: Madonna - Material Girl
«É das canções que melhor explica os tempos que correm. Se nós quisermos perceber qualquer fenómeno na nossa sociedade, a pergunta que temos que fazer é: quem é que está a ganhar dinheiro com isso? E a canção é sobre muitos rapazes que têm muitas qualidades, mas é só o que tiver mais dinheiro que ela vai escolher. Politicamente, a Madonna teve um papel muito importante para as mulheres, de certeza que é uma inspiração para muitas mulheres que fazem música menos mainstream, mas abriu grandes figurões. Ela foi um figurão daquela época que abriu uma data de portas. Isto é de um álbum chamado Like a Virgin, que também tem muito a ver com política porque só uma mulher que não é virgem pode apresentar-se com uma canção chamada Like a Virgin. E na política também não há virgens. E o Nile Rodgers é o produtor deste disco (isto tem uma secção rítmica fortíssima), que foi altamente prejudicado na queima dos discos [Disco Demolition Night], e que teve um grande revival recentemente a propósito dos Daft Punk.»
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3 comentários:
E eu que sempre pensei que o nosso Bob Dylan era o Jorge Cruz... :)
O Jorge Cruz é o nosso Jorge Cruz e não precisa de ser mais nada além do Jorge Cruz :D
Bem dito sobre o Zeca. Pensar que há tantas casas neste país onde a vasta obra do Zeca Afonso é proibida por causa de um estigma político... É caso para dizer que não foi para isso que se fez o 25 de Abril.
Reduzir Zeca Afonso a um cantor de intervenção é realmente reduzir e diminuir um homem com um alcance tão grande. Havia muita poesia e muito amor dentro dele.
Já para não falar da sua importância a um nível puramente musical. Hoje anda aí tanta banda a achar-se inovadora por trazer a música africana para Portugal e o Zeca já tinha tanta África na sua música.
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